Dores
no peito, náuseas, secura nos olhos. Um turbilhão de coisas se passando pela
cabeça e, das piores, insônia. Parece que estou parindo um filho de tanta dor
que me invade a alma agora. Ao mesmo tempo que dói, já não sinto nada. Nem
pena, nem sede, nem compaixão.
Li
uma vez que entre os sentimentos valiosos para o ser humano, a compaixão é um
dos principais. Eu não tenho mais. Não tenho mais nada. As coisas vão se
perdendo de um jeito e de outro e ao mesmo tempo que ganho a vida, te perco.
Perco as madeixas, o sorriso, os cds do Gilberto Gil. Merda! Eu queria tanto o
“Refazenda”, é o meu preferido e você destruiu. Sem querer ser fútil, mas no
momento é uma das coisas que mais tem me incomodado, porque eu não sinto nada.
Sequer estou me importando com o que pensaria ao me ler. Ah, qual é, você nunca
soube ler o que tinha em mim. O que meu corpo, meu sexo, minha boca pedia; e nem
nos momentos mais explícitos você sabia o que fazer com o que tinha nas mãos,
no corpo.
Depois
de três dias e noites vendo seriados bobos e decidindo o meu posicionamento
diante da adoção ou não de fotos coloridas na página da rede social em meio à
doze, treze, quatorze horas de sono, eu tenho insônia. Foi só o seu nome
aparecer na boca de um idiota qualquer que me cumprimentou na rua que eu não
consigo dormir, e me pergunto: eu esgotei a quota de sono da semana ou eu sou
uma filha da puta idiota que se comove com qualquer notícia de um escroto que pouco
se importa se morro ou vivo agora? Fico com a segunda opção.
Mas
voltando ao início da história, estávamos bem. Mentira. Nunca estivemos bem,
achávamos, imaginávamos, devaneávamos sobre uma relação que poderia dar certo
um dia, mas isso nunca foi verdade, e a gente sabe desde o caso da pizza e da
mordida no dedo que está tudo errado. Dois narcisistas nunca se dariam bem numa
relação monogâmica, principalmente quando uma das partes sequer acredita em
relação monogâmica. Qual a finalidade de se enquadrar mesmo em toda essa merda
que inventam? É falido. Mas, ainda assim, estávamos bem. Eis que um germe é
plantado com o incremento do uso das tecnologias (Milton Santos que o diga) e
as pessoas passam a se olhar assustadas. Eu, baby, e você, não nos bastávamos.
O amor não é suficiente, isso já virou um clichê. Escândalos, famílias,
agressões que não cabiam em verbos e em palavras chulas ultrapassam os limites
e eis ai um grand finalle. O que resta de nós e a amargura e o medo do outro,
dos nomes, encontros em bares dessa cidade medíocre e pobre. Eu não faço mais
parte disso, e nem você.
Até
ontem jurávamos amor eterno e uma série de divisões no nosso apartamento. Eu
queria o meu quarto individual, brega aos seus olhos e, aos meus, cafofado,
cheio de penduricalhos, recortes na parede e cds, livros e filmes espalhados
por todo canto. Eu como isso. O seu, simples, com uma cama e guarda-roupas.
Detesto essa maneira simplista de ver a vida. Pode ser tudo tão colorido,
retalhado, reciclado e você me joga fora. Acreditei por exatas vinte e oito
horas que estava tudo acertado e você me veio com choros, vinhos e uma série de
argumentos pra mais uma tentativa numa relação que, como painho diz, nunca
daria certo e eu, inteligente, universitária, pesquisadora, professora e idiota
que sou, aceitei. Acho que as musicas de Djavan estão penetrando os meus miolos
e eu estou enlouquecendo. É isso. Não existe mais sanidade em mim. Eu
simplesmente enlouqueci e desta vez não foi por você, foi por uma relação
fantasiosa, que nunca existiu pra ninguém além da minha irmã que te chama de
tio e mata formigas avisando que não pode matar abelhas, já que você ensinou.
Neste
exato momento não existe mais raiva e eu tenho medo disso. Enquanto ela existia
eu tinha certeza que você iria voltar atrás, pedir desculpas e dizer que o amor
ainda pode recuperar alguns estragos, mas eu não sinto nada. Nem fisicamente.
Sinto até falta daquela dor que dá no peito que a gente sente feito agulha
enfiada entre unha e carne no dedo, e, não, ela não está aqui agora.
Me
libertei desse amor doentio, desse abuso, desse sexo com culpa, dessa falta de
cuidado exacerbada e, sobretudo, do medo que eu tinha de te perder. Eu nunca
tive você nem ninguém. Eu não tenho mais medo porque talvez o amor tenha se
transformado apenas num bem-querer. Ou até mesmo eu só queira que você se foda
e se afaste de mim como eu faço com os ratos que passeiam na calçada do meu
trabalho. Não me importa. O que interessa agora é estar liberta de algo que
durante uma vida de tempo útil, foi transformada em submissão não consentida,
mas, pasme: eu não me culpo por nada. E eu que sou a escrota.
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